entrevista covid pneumo1Sílvia Carapinha
Enfermeira no Serviço de Pneumologia (atual ADR1)

1. Neste último ano, quais foram os principais desafios que enfrentou?
Olhando para trás, para este último ano que passou, vejo os desafios que surgiram e que desafios! Um vírus desconhecido, que chegou no meio do nada, veio agitar e mudar todas as rotinas estabelecidas e colocadas em prática em mais de 20 anos de trabalho. Trouxe com ele a incerteza porque, o que hoje era assumido como verdade e prática comum, amanhã já não o era e isso foi uma situação que gerou bastante stress e preocupação na equipa no que diz respeito ao cuidar e à forma de cuidar.

Vi-me também obrigada a aumentar o meu grau de literacia em saúde, uma vez que, de um momento para o outro, no meio da pouca informação que existia à data, tive que me adaptar e obter conhecimento das mais diversas formas para poder cuidar mais e melhor.

A dada altura, doentes que entravam com uma simples Pneumonia à COVID-19, rapidamente tinham um agravamento da sintomatologia, o que levava a experienciar e vivenciar mais momentos de stress e angústia: a necessidade de ventilar mecanicamente um doente de forma invasiva, cuidados que nunca tinham sido colocados em prática pela equipa e que, de um momento para o outro, teve que assumir por sermos o único serviço do Hospital com camas de pressão negativa.

No meio de tanta incerteza, stress, angústia e sofrimento, penso que tudo se ultrapassou graças ao espírito de união, capacidade de adaptação, entreajuda e boa disposição da equipa.

2.Alguma vez sentiu medo (ou ainda sente) de ser infetado?
No que diz respeito ao medo em si, posso dizer que nunca o senti, uma vez que, logo desde o início tivemos acesso a formação direccionada para o uso de equipamento de protecção individual (EPI). Relativamente ao fornecimento do mesmo, este foi sempre assegurado o que me deixou sempre segura para a prestação de cuidados a doentes infetados com COVID-19.

3. No âmbito da atividade profissional que desenvolve, que aprendizagens retira desta nova realidade?
Uma das aprendizagens que retiro desta nova realidade é que nunca devo ter a vida como certa. Vivenciei situações muito difíceis, quer do ponto de vista clínico como do familiar, situações que marcaram e fizeram muitas vezes pensar e que só com o apoio e entreajuda de toda a equipa multidisciplinar consegui ultrapassar.

No que diz respeito à prática de enfermagem, foi um ano muito rico porque, como já referi anteriormente, tive que me adaptar, desenvolver práticas e competências na área do doente crítico bem como transporte do mesmo, para poder colaborar e orientar a equipa.

4. O que mudou na relação com os doentes?
Neste ano que tem vindo a decorrer, mudou e muito a proximidade que existia para com os doentes. O simples toque de mãos, não é mais possível, uma vez que foram colocadas barreiras protetoras entre nós, nomeadamente dois pares de luvas, um fato integral de protecção individual, óculos e viseira. Existe também uma diferença enorme naquilo que é a relação doente-enfermeiro uma vez que os mesmos não nos conseguem reconhecer pela utilização dos inúmeros Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e sentem a necessidade de nos perguntar recorrentemente quem somos. A inexistência da presença física da família/amigos no Serviço leva a uma quebra no desenvolvimento das relações interpessoais. A comunicação sofreu também alterações significativas uma vez que passamos a usar o telefone/tablet como meio alternativo para a mesma.

5. Em algum momento sentiu que o seu trabalho foi reconhecido por outros colegas ou pessoas externas à Instituição?
Se em algum momento foi reconhecido o trabalho e mérito dos enfermeiros, esse momento foi durante a vivência desta pandemia, que com ela trouxe o medo de uma doença que não foi só de alguns, mas sim de todos. Surgiram inúmeros agradecimentos por parte de familiares/amigos/doentes, que nos deixavam de coração cheio.

O simples ato de ver uma caixa com a seguinte mensagem “hoje o lanche é por minha conta” é algo que não se explica, apenas se sente.

6. Passado um ano de vivência pandémica, sente mais orgulho na profissão que exerce?
Sinto o mesmo orgulho, entusiasmo e gratidão para com a minha profissão, o mesmo que senti no dia em que terminei o curso.

7. Numa palavra, como descreve o primeiro ano da pandemia.
Emotivo.

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